A polícia angolana do MPLA, cumprindo ordens superiores, impediu a realização de uma conferência sobre a paz no território (ocupado por Angola em 1975) que deveria decorrer num hotel de Cabinda, alegando – como sempre – incumprimento das formalidades legais pelas entidades organizadoras do evento.
A conferência de reflexão sobre a paz em Cabinda, organizada pelas organizações Omunga e Associação para Desenvolvimento da Cultura dos Direitos Humanos (ADCDH) tinha como convidados o pastor Ntoni a Nzinga, o padre Celestino Epalanga, o advogado e activista Arão Tempo e o político e secretário-geral da Frente Consensual Cabindesa, Belchior Tati, mas acabou por não acontecer.
Segundo Celestino Epalanga, “às primeiras horas do dia, a polícia foi sitiar o hotel Maiombe (onde iria realiza-se o evento)”, tendo os palestrantes encontrado um forte dispositivo policial quando chegaram ao local: “Encontrámos um cenário com muita polícia à volta, alguns fortemente armados”.
Celestino Epalanga disse que o director executivo da Omunga, João Malavindele tentou falar com as chefias da polícia para obter esclarecimentos, tendo sido transmitido que “estavam a cumprir ordens superiores”.
“Estivemos ali cerca de 20 minutos e depois regressámos”, continuou.
O padre jesuíta da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) assinalou que a conferência estava para acontecer em Abril, “o mês da paz”, mas não se realizou por supostamente faltar documentação assinada por uma organização de direitos humanos legalizada.
“O problema está no tipo de oradores, provavelmente falar de paz em Cabinda é um problema muito sério, é proibido”, lamentou.
Para Celestino Epalanga, que está ainda a aguardar o regresso a Luanda perdeu-se uma oportunidade de dialogar sobre a violação sistemática e permanente dos direitos humanos em Cabinda. “Hoje foi mais uma prova, vimos a liberdade de reunião coarctada”, criticou.
“A polícia impediu o acesso ao próprio hotel alegando que o governo não autoriza esta conferência. Perguntámos quem do governo era e disseram que tinham ordens superiores”, disse o presidente da ADCDH, Alexandre Kwanga.
O activista adiantou que a polícia obrigou um jornalista de um meio de comunicação local (TV União) a apagar a entrevista feita ao sacerdote católico.
Chala Gime, director do gabinete de comunicação institucional e imprensa do ministério do interior em Cabinda disse que a polícia compareceu no hotel por que a Omunga “não cumpriu com os pressupostos administrativos a nível do governo provincial que deveria autorizar a realização dessa actividade”.
“A Omunga é uma associação de outra província. Para vir fazer uma actividade deve dar conhecimento ao governo. Além disso, aparece associada ao ADCDH que não tem qualquer legitimidade, porque não é legal. As coisas ilegítimas não podem ser legitimadas, e por isso a polícia apareceu no local para impedir a realização da actividade. A organização não cumpriu as formalidades legais”, indicou.
A Lusa questionou o responsável do ministério do Interior sobre se foi o Governo provincial de Cabinda, liderado por Marcos Nhunga, a chamar a polícia ao local, mas este escusou-se a responder.
QUEM DEFENDE CABINDA É… TERRORISTA?
Um grupo de activistas de Cabinda foi detido no passado dia 1 de Fevereiro quando se manifestava em frente à embaixada de Portugal em Luanda, para chamar a atenção do Governo português sobre a situação política naquele território.
O Tratado de Simulambuco foi um tratado que selou a criação de um protectorado de Cabinda, assinado pelo representante do governo português Guilherme Augusto de Brito Capello, então capitão tenente da Armada e comandante da corveta Rainha de Portugal, e pelos príncipes, chefes e oficiais do Reino de Angoio, em 1 de Fevereiro de 1885.
Num contexto colonial em que Portugal aparecia como mal menor entre todos os que queriam ser donos da Cabinda, os cabindas optaram por negociar com os portugueses, acreditando que a sua segurança e autonomia sairiam resguardadas. Mal sabiam que iriam ser apunhalados cobardemente pelas costas, em 1975, por outros portugueses.
A 29 de Setembro de 1883, foi assinado o Tratado de Chinfuma no morro do mesmo nome, a norte do rio Chiloango. O local foi escolhido porque só por si corroborava o alcance do acordo. Assim, ficou estabelecido o protectorado e a soberania de Portugal sobre todos os territórios que se estendem do rio Massabi até ao Malembo.
Portugal, de acordo com o articulado do documento, comprometia-se a garantir a perenidade e integridade das áreas bem especificadas no âmbito do protectorado (Artigo 3º, do Tratado de Chifuma), situação corroborada também pelo auto de posse que foi autenticado pelo rei do Cacongo.
Pouco mais de um ano depois, a 26 de Dezembro de 1884, outros responsáveis da hierarquia social e política de Cabinda consideraram favorável o Tratado de Chifuma, até então considerado como já tendo dado frutos no sentido da defesa dos interesses dos cabindas, e decidiram apostar na mesma estratégia, assinando então o Tratado de Chicambo, cópia fiel do anterior.
De acordo com a História de Portugal, anterior aos capítulos revolucionários que a reescreveram a partir do 25 de Abril de 1974, todos os acordos com os cabindas foram feitos, assinados e assumidos conscientemente pelo Governador-Geral de Angola, capitão-tenente Ferreira do Amaral, tendo como testemunha presencial o tenente Guilherme Capello, comandante da corveta “Rainha de Portugal”, navio de guerra que patrulhava a região regularmente e que era uma garantia da soberania portuguesa.
Mau grado estes Tratados e todas as garantias dadas pelas autoridades portuguesas em matéria de segurança, os cabindas continuavam a sentir-se sem segurança e sujeitos aos mesmos perigos protagonizados pelas outras potências coloniais.
Confrontado com a esta realidade que, inclusive, poderia levar a umas espécie de rebelião que anulasse os acordos anteriores, Portugal resolveu com a anuência de um maior número de líderes de Cabinda, avançar para um outro Tratado mais amplo e abrangente e que englobasse os anteriores e lhes desse outras mais-valias.
Foi assim que, em 1 de Fevereiro de 1885, nasce o Tratado de Simulambuco. Na óptica de Lisboa, sob o reinado de D. Luís, este Tratado era importantíssimo sobretudo no âmbito da famosa Conferência de Berlim.
A Conferência de Berlim realizada entre 19 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885 teve como objectivo organizar a ocupação de África pelas potências coloniais e resultou numa divisão que não respeitou, nem a história, nem as relações étnicas e mesmo familiares dos povos do Continente.
A Conferência de Berlim validou o Tratado de Simulambuco e reconheceu, como era condição “sine qua non” de Portugal, todos os direitos portugueses na região.
Portugal assumia então, tanto perante os cabindas como o mundo, a obrigação de ser guardião, por todos os meios ao seu dispor, do Protectorado de Cabinda.
No Tratado estava, e está, escrito:
“Nós, abaixo assinados príncipes governadores de Cabinda, sabendo que na Europa se trata de resolver, em conferência de embaixadores de diferentes potências, questões que directamente dizem respeito aos territórios da Costa Ocidental de África, e, por conseguinte, ao destino dos seus povos, aproveitamos a estada neste porto da corveta portuguesa “Rainha de Portugal”, a fim de, em nosso nome e no dos povos que governamos, pedirmos ao seu comandante, como delegado do Governo de Sua Majestade Fidelíssima, para fazermos e concordarmos num tratado pelo qual fiquemos sob o protectorado de Portugal, tornando-nos, de facto, súbditos da coroa portuguesa, como já o éramos por hábitos e relações de amizade. E, portanto, sendo de nossa inteira, livre e plena vontade que de futuro entremos nos domínios da coroa portuguesa para aceder aos nossos desejos e dos povos que governamos, determinado o dia, onde, em sessão solene, se há-de assinar o tratado que nos coloque sob protecção da bandeira de Portugal”.
Também os portugueses escreveram e subscreveram.
Seja qual for o ponto de vista da análise, é matéria de facto que Portugal honrou desde 1885 até 1974 o compromisso assumido com os cabindas, razão pela qual em matéria constitucional incluiu Cabinda na Nação portuguesa, fazendo-o de forma autónoma e bem diferenciada de outras situações coloniais, caso de Angola.
De facto, e ao contrário das teses unilaterais dos descolonizadores que tomaram o poder em Portugal em 1974, no artigo da Constituição Portuguesa referente à Nação Portuguesa sempre constava, sempre constou e ainda lá está para quem tiver dúvidas, que o território de Portugal era, na África Ocidental, constituído pelos Arquipélagos de Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe, Forte de S. João Baptista de Ajudá, Guiné, Cabinda e Angola.
Portugal não só violou o Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro 1885 como, pelo Acordo de Alvor, ultrajou o povo de Cabinda, sendo por isso responsável, pelo menos moral (se é que isso tem algum significado), por tudo quanto se passa no território, seu protectorado, ocupado por Angola.
Graças ao petróleo, grande parte dele produzido em Cabinda, Angola consegue que a comunidade internacional reconheça a existência de dois tipos de terrorismo. Um bom e outro mau.
O mau é praticado por todos aqueles que apenas querem que se respeite os seus mais sublimes direitos. O bom é o do Estado, neste caso angolano, que viola sistematicamente todos os mais básicos direitos humanos, prendendo, torturando e matando todos aqueles que pensam de maneira diferente.
Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por pouco se falar dele que ele deixa de existir. Se calhar estão de novo à espera que os cabindas apostem na razão da força…
Cabinda é um território ocupado por Angola e nem a potência ocupante como a que o administrou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.
Recorde-se que, em 1975, Portugal reconheceu o MPLA como legítimo e único governo de Angola, embora tenha assinado acordos coma FNLA e a UNITA. O resultado ficou à vista nos milhares e milhares de mortos da guerra civil.
Folha 8 com Lusa
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